Roberto Tadao Magami Junior

PARA O STJ, QUAISQUER NULIDADES EM ASSEMBLEIA QUE SÓ AFETAM SOCIEDADE SEGUEM LEI DAS SOCIEDADES ANÔNIMAS

A legislação específica — Lei 6.404/1976 — se aplica prioritariamente às relações intrassocietárias — entre os acionistas ou entre eles e a própria sociedade —, remanescendo a disciplina geral do Código Civil para as situações em que os efeitos das deliberações da assembleia alcancem a esfera jurídica de terceiros.
Às vésperas da assembleia geral de aprovação de contas, um sócio administrador transferiu a totalidade de sua participação acionária para uma sociedade empresária da qual detinha, juntamente com a esposa, a totalidade do capital social, e que votou de maneira determinante para a aprovação das contas, configurando vício do voto.
Para o STJ há uma aparente incompatibilidade entre o artigo 286 da Lei das S.A. e a disciplina das nulidades dos negócios jurídicos em geral, prevista no Código Civil. No primeiro, a sanção é em regra a anulabilidade, sendo permitida a convalidação do ato; já no regime civil, a sanção prevista depende da gradação do vício previsto em lei.
Portanto, uma primeira solução para esse conflito é o critério da especialidade, segundo o qual prevalece a norma especial (Lei das S.A.) sobre a geral (Código Civil). Contudo, há divergências na doutrina sobre a forma de aplicar cada um desses regimes: enquanto alguns defendem o uso exclusivo da lei especial, outros sustentam a aplicação do regime geral de invalidades a todas as relações jurídicas obrigacionais, e uma terceira corrente prega a aplicação do regime especial de nulidades com uso do sistema civil, a depender do interesse violado.
Para o STJ, diante desse regime especial de invalidade das deliberações da assembleia, o uso das normas gerais do direito civil deve ocorrer com prudência, “sendo possível desde que haja omissão e seja substancialmente compatível com a disciplina especial, partindo-se, em princípio, da previsão de sanção de anulabilidade aos vícios e considerando-se como referência fundamental o interesse violado”.
No caso julgado, o TJSP concluiu pela nulidade da assembleia, ao fundamento que houve fraude à Lei das S.A., que veda ao administrador votar nas deliberações da assembleia geral relativas à aprovação de suas contas (artigo 115, parágrafo 1º). Esse vício, entendeu o tribunal paulista, causa a nulidade do ato, segundo o Código Civil (artigo 166, VI).
Para o STJ, contudo, embora essa proibição imposta ao acionista administrador tenha significativo fundamento ético, ela envolve interesses dos acionistas e da própria companhia, mas não interesses da coletividade ou de terceiros.
Desse modo, a questão é de anulabilidade da deliberação, e não de nulidade, pois “embora a proibição legal não possa ser desconsiderada pelas partes interessadas — notadamente sócios e a própria sociedade —, é possível sua convalidação, seja por nova deliberação assemblear livre do vício (sem o voto do sócio administrador) ou pelo transcurso do tempo necessário à ocorrência da extinção, pela decadência, do direito formativo à decretação de sua nulidade”, esclareceu.
Por fim, a jurisprudência do STJ exige a prévia desconstituição da decisão que aprovou as contas para o ajuizamento da ação de responsabilização e, como os acionistas minoritários não haviam ajuizado aquela ação, a ação de responsabilidade foi extinta sem resolução do mérito.