Roberto Tadao Magami Junior

Os novos rumos da consensualidade administrativa à luz da LINDB

Decisões recentes do Poder Judiciário e uma nota técnica emitida pelo MPF ampliam a concertação administrativa

O Poder Legislativo vem incorporando mais e mais mecanismos consensuais ao ordenamento jurídico, isto é, institutos que buscam em primeiro lugar a não aplicação de sanções e dão primazia aos acordos como forma de alcançar resultados mais efetivos e menos onerosos ao erário. Trata-se uma nova forma de legislar e, inclusive, de regular por intermédio de atos administrativos de caráter geral e abstrato.

A título de exemplo, a Lei nº 13.964/2019 trouxe os acordos de não persecução cível na esfera da improbidade administrativa (artigo 17, §1º, da Lei nº 8.429/92) e o acordo de não persecução penal quando a infração penal for praticada sem violência ou grave ameaça e cuja pena mínima seja inferior a 4 (quatro) anos (artigo 28-A, do Código de Processo Penal).

Anteriormente, as Leis nºs 12.529/2011 (artigos 86 e seguintes), 12.846/2013 (artigos 16 e seguintes), e 12.850/2013, já os acordos de
leniência e de colaboração premiada, para que as empresas e os agentes, de forma a maximizar seus interesses individuais, atuem em termos de cálculo
de custos e benefícios, abandonando a conduta ilícita e, a partir da colaboração com as autoridades, obtenham benefícios com a mitigação ou
até o completo afastamento das sanções.

Em razão de todo o aspecto evolutivo do tema, que abarca o exercício das funções legislativa, jurisdicional e administrativa, e se desdobra nas
instâncias penal, cível e administrativa a análise do tema deve ocorrer sob a ótica da Teoria do Estado, na medida em que há explícito reconhecimento da
ausência de efetividade por intermédio das imposições sancionatórias, em prol da criação e incorporação de outros mecanismos de concertação
administrativa mais eficientes.

Nessa perspectiva, o Estado vem reconhecendo que a regulação deve ser mais racional, e implementada da forma menos onerosa (tanto para a
Administração quanto para os particulares), elegendo prioridades ao definir instrumentos de incentivo ao planejamento e valorizando os resultados.

Dessarte, o Direito busca analisar o sistema econômico a ser regulado, assim como as dificuldades e as circunstâncias que este ambiente
apresenta, de modo que o Estado Regulador possa avançar dentro de parâmetros institucionais e procedimentais participativos contidos no
ordenamento jurídico, e trazer efetivas mudanças institucionais na trajetória. Daí exsurge a importância de a consensualidade ser considerada um
postulado, que segundo Humberto Ávila não se enquadra nem como princípio e nem como regra, na medida em que orienta a aplicação de outras
normas[1], a partir dos exemplos abaixo trazidos por meio de casos ocorridos tanto no Poder Judiciário e no Ministério Público.
No âmbito da Função Jurisdicional, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, no âmbito do processo 5030772-62.2017.4.04.7000, julgou extinta uma Ação
Civil Pública que pretendia condenar uma empresa por improbidade administrativa, e homologou a transação resultante de acordo de leniência,
com resolução de mérito. Em síntese, a Ação Civil Pública tinha como objeto a condenação de pessoas físicas e jurídicas por supostos atos de improbidade administrativa decorrentes de atos descobertos no âmbito da operação Lava Jato, mas que em razão da celebração do acordo com a Controladoria Geral da União, pôs termo à demanda judicial mediante o pagamento de multa e à restituição de valores.

Por entender a consensualidade como um princípio, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, reformou a decisão reconhecendo que o acordo de
leniência é oponível contra todos e, para todos os fins, considera contemplada a integralidade do dano, não podendo ser exigida qualquer
reparação adicional, inclusive a contida no artigo 16, §3º, da Lei nº
12.846/2013, pois celebrado sob a égide do Poder Estatal considerado uno
para todos os fins.

Caso similar está pendente de julgamento perante a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal que iniciou a apreciação conjunta de quatro mandados de
segurança (35.435, 36.496, 36.526 e 36.173), todos de relatoria do ministro Gilmar Mendes, que discutem a possibilidade do TCU declarar a inidoneidade
de empresas para contratar com a Administração Pública, ainda que os ilícitos tenham sido objeto de acordos armados com outras instituições
federais.

Na medida em que estes acordos são considerados negócios jurídicos processuais, o relator asseverou que sua validade deve ser prestigiada, de
forma a zelar pelos incentivos institucionais à colaboração, a fim de que os cooperadores tenham previsibilidade das sanções e benefícios premiais
cabíveis, ainda mais quando a celebração do acordo envolver simultaneamente a CGU e a AGU, e contiver disposição expressa no sentido
de afastar as sanções administrativas da Lei nº 12.846/2013, da Lei nº 8.666/93 e da Lei nº 8.429/92, hipótese em que o alcance dos benefícios se
torna bastante alargado e impede, inclusive, o bis in idem.

Na mesma senda, o ministro Edson Fachin expressou que se um acordo é celebrado, constitui negócio jurídico processual que vincula as partes e,
portanto, a Corte de Contas não pode obstar o cumprimento do pacto avençado, em atenção à tutela da confiança legítima daquele que agiu de
boa-fé. Agora se aguarda o retorno do julgamento que foi suspenso.

No âmbito do Ministério Público Federal, a 5ª Câmara de Coordenação e Revisão[2], Comissão de Assessoramento Permanente em Leniência e
Colaboração Premiada, emitiu no dia 06 de maio de 2020 uma Nota Técnica[3] que definitivamente consolida um incentivo aos Acordos de
Leniência, permitindo a adesão até por pessoas físicas, a despeito da ausência de previsão legal, por reconhecer ser um fator que pesa fundamentalmente na análise custo-benefício que os coautores (pessoas jurídicas e físicas) de atos de corrupção realizam antes de apresentarem
pedidos de participação nos programas de leniência.

Ponto sensível diz respeito à independência funcional que, sob este argumento, aHrma ser
facultativa a adesão de outro Membro do MPF ao Acordo originário quando estiver
investigando pontos conexos.

Em que pese a prevalência do sigilo na celebração dos Acordos de Leniência, a 5ª CCR deveria ser o órgão central do MPF na tramitação destes por
sistemas internos formais e sigilosos, em observância aos artigos 58 e 62, ambos da Lei Complementar 75/93, pois ainda assim estaria assegurada a
independência funcional de seus membros.

Haveria apenas uma melhor organização dos acordos, visando trazer maior segurança àqueles que se dispõem a celebrá-los e, ao mesmo tempo, maior
coordenação entre os membros dessa tão essencial instituição, mais uma vez enfatizando: sem prejudicar a independência funcional.

Portanto, não se deveria falar em faculdade na formalização do termo de aquiescência com o acordo de leniência elaborado por outro membro do
MPF, mas sim em obrigatória remessa das informações ao ajuste originário por intermédio da 5ª Câmara de Coordenação e Revisão, a fim de garantir
coerência e uniformidade na atuação da instituição, além de observância ao princípio do promotor natural, sem prejuízo de que o integrante do parquet
que remeteu seus autos questione posteriormente à celebração e homologação do acordo, eventuais aspectos que envolvam as suas
respectivas atribuições funcionais.

Por conseguinte, a despeito deste trecho da nota técnica, a consensualidade vem sendo utilizada como uma metanorma e permite tanto ao legislador,
quanto ao Poder Judiciário e ao Ministério Público no exercício das suas atribuições, exaltar a satisfação do interesse público por intermédio da
aplicação dos princípios da segurança jurídica e sua vertente subjetiva denominada proteção da confiança, da boa-fé e da eficiência, de forma pragmática (contextualista e consequencialista), em linha, inclusive, com o disposto no artigo 27[4] da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, que permite a exclusão de prejuízos anormais ou injustos resultantes do processo ou das condutas dos envolvidos.

[1] Teoria dos Princípios – da definição à aplicação dos princípios jurídicos. ÁVILA, Humberto. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 135.

[2] Dentro da composição orgânica do MPF, as Câmaras de Coordenação e Revisão são unidades previstas no artigo 43, inciso IV, da Lei Complementar nº 75/1993. Constituem os órgãos setoriais de coordenação, de integração e de revisão do exercício funcional na instituição (art. 58). São organizadas por função ou por matéria, através de ato normativo (art. 59). O Estatuto Legal do MPU lhes consigna as seguintes atribuições, dentre outras, para : inciso I – promover a integração e a coordenação dos órgãos institucionais que atuem em ofícios ligados ao setor de sua competência, observado o princípio da independência funcional; inciso II – manter intercâmbio com órgãos ou entidades que atuem em áreas afins (artigo 62). Fonte:

http://www.mpf.mp.br/pgr/documentos/05.05.RedaoHnalNTALcomAdesoesLTIMAVERSO.pdf
Acesso em 12 de junho de 2020. p. 27.

[3] Disponível em: . Acesso em 12 de junho de 2020.

[4] Art. 27. A decisão do processo, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, poderá impor compensação por benefícios indevidos ou prejuízos anormais ou injustos resultantes do processo ou da conduta dos envolvidos

§1º A decisão sobre a compensação será motivada, ouvidas previamente as partes sobre seu cabimento, sua forma e, se for o caso, seu valor.
§2º Para prevenir ou regular a compensação, poderá ser celebrado compromisso
processual entre os envolvidos.