A Análise de Impacto Regulatório – AIR – é instrumento de proposição de soluções a problemas regulatórios, por intermédio de critérios racionais, devidamente motivados, em atenção à eficiência, à impessoalidade e à moralidade, nos termos do artigo 37, caput e 93, inciso IX, ambos da Constituição Federal.
A institucionalização da AIR remonta aos anos de 1980/1990, quando países europeus e americanos passaram a empregá-la. Em relatório do ano 1997, a OCDE já compilava modelos de diversos países, em que pese a ausência de uniformidade na adoção de critérios, pois alguns determinam sua obrigatoriedade a todos os atos normativos, enquanto outros especificam determinadas situações, demonstrando que a decisão é político-econômica[1].
No Brasil, a AIR foi disciplinada em 2018, por intermédio do Comitê Interministerial de Governança, ao aprovar as Diretrizes Gerais e o Guia Orientativo para a Elaboração de Análise de Impacto Regulatório, como recomendação a toda a Administração Pública Federal.
Em dezembro do mesmo ano, a ANVISA, por meio de sua Portaria 1741 e a Orientação de Serviço 56, regulamentou o tema como uma forma antecedente ao planejamento, elaboração, implementação, monitoramento, avaliação e revisão de instrumentos regulatórios normativos e não normativos.
Já em 2019, a Lei das Agências Reguladoras nº 13.848, determinou, em seu artigo 6º, a realização de AIR como pré-condição à edição de “atos normativos de interesse geral dos agentes econômicos, consumidores ou usuários dos serviços prestados”.
No mesmo ano, a Lei de Liberdade Econômica, norma de proteção à livre iniciativa e ao exercício pleno da atividade econômica, condicionou as exigências dos órgãos e entidades da Administração Pública Federal a uma maior racionalidade, invertendo os valores em prol da livre iniciativa, a partir dos princípios interpretativos da mencionada norma, como a boa-fé do particular perante o poder público, a intervenção subsidiária e excepcional do Estado sobre o exercício das atividades econômicas e o reconhecimento da vulnerabilidade do particular perante o Estado, sendo que este último ponto ainda carece de regulamentação, conforme podemos extrair do artigo 2º, parágrafo único.
Dentre outras garantias em prol da economia, proscreveu-se o abuso do poder regulatório, considerado aquele que cria exigências com o objetivo de engendrar reservas de mercado, favorecer grupos econômicos ou profissionais, aumentar os custos de transação sem a demonstração de benefícios, condicionando quaisquer propostas de edição ou alterações de atos normativos doravante à Análise de Impacto Regulatório – AIR, contendo informações e dados sobre os seus efeitos.
Daí adveio o recente Decreto nº 10.411, que define a AIR como o “procedimento, a partir da definição de problema regulatório, de avaliação prévia à edição dos atos normativos(…), que conterá informações e dados sobre os seus prováveis efeitos, para verificar a razoabilidade do impacto e subsidiar a tomada de decisão”.
Além disso, dispõe sobre o conteúdo e a metodologia da AIR, assim como os seus quesitos mínimos e as hipóteses em que será dispensável, o que nos leva ao primeiro ponto: todo ato normativo será considerado de baixo impacto e, portanto, dispensado da AIR quando (i) não provocar aumento excessivo de custos para agentes econômicos ou usuários de serviços prestados; (ii) não provocar aumento expressivo de despesa orçamentária ou financeira; e, (iii) não repercutir de forma substancial nas políticas públicas de saúde, de segurança, ambientais, econômicas ou sociais. Desta forma, se um ato preencher apenas um dos requisitos, será cogente o estudo prévio.
Mas como e onde deverá ter início a AIR? Quais requisitos deve conter? Bem, deve ter início a partir da decisão pela regulação, que deverá conter justificativa acerca da conveniência e oportunidade em solucionar um problema regulatório, assim como os afetados por este, o fundamento legal autorizador do exercício da competência normativa, os objetivos a serem alcançados, as alternativas possíveis ao enfrentamento, impactos e custos.
Esses fatores devem ser alternativamente analisados por uma das seguintes metodologias mais adequadas ao caso concreto: a) análise multicritério; b) análise de custo-benefício; c) análise de custo-efetividade; d) análise de custo; e) análise de risco; f) análise risco-risco. Podem, ainda, as normas, independentemente da realização da AIR, passarem por consulta pública.
Os relatórios produzidos pela AIR não vinculam as decisões. A discricionariedade se mantém preservada. Contudo, os fundamentos das opções “oferecidas” pelos relatórios garantem uma base de subsídios à essa tomada de decisões, e amplia os controles social e judicial, assim como a transparência na tomada de decisões.
No prazo de cinco anos contados da publicação do ato normativo, o Decreto impõe a Avaliação de Resultado Regulatório – ARR, ou seja, a verificação dos seus efeitos, visando constatar, ou não, o atingimento dos fins inicialmente pretendidos, e que deverão ser amplamente divulgados no sítio eletrônico do órgão ou da entidade, ressalvadas as informações com restrição de acesso nos termos das Leis nºs 12.527/2011 e 13.709/2018.
Até aqui as novidades são muitas, mas também abordaremos as exceções que demonstram ser a AIR, em verdade, um instrumento de aplicação mais restrita, na medida em que não se estende às questões tributárias (com exceção das obrigações acessórias), assim como aos atos de natureza administrativa que produzam efeitos concretos (individualizados) ou internos nos órgãos ou entidades; que disponham sobre execução orçamentária e financeira; ou ainda sobre política cambial e monetária ou segurança nacional.
Ainda sobre seus aspectos negativos, o Decreto inova no ordenamento jurídico e vai de encontro ao artigo 5º da Lei nº 13.784/2019, quando afirma que a inobservância da AIR não acarreta a invalidade da norma editada. É indene de dúvidas que o artigo 84, inciso IV, da Constituição Federal permite apenas que o Decreto regulamente uma lei sem inovar no ordenamento jurídico. Ao afastar a nulidade da norma editada sem a observância do Decreto nº 10.411/2020, há verdadeira afronta à Lei da Liberdade Econômica.
Da mesma forma, o Decreto ora abordado inova no ordenamento jurídico ao exigir que os órgãos e entidades divulguem até 14 de outubro de 2022 uma agenda de Avaliação de Resultado Regulatório com efeitos retroativos, uma vez que não há qualquer exigência desta natureza na Lei de Liberdade Econômica, mas tão somente a imposição de AIR aos atos futuros.
Portanto, em uma análise preliminar, o Decreto afasta sanções, traz exigências, e, ainda, demanda a edição de outras instruções normativas, resoluções e portarias para a sua melhor aplicação.
Ao mesmo tempo, a efetiva implementação da AIR e da ARR aumentarão a tecnicidade e diminuirão as influências político-partidárias, rumo à uma regulação independente, que levará o Brasil à plena transparência regulatória e, principalmente, garantirá maior legitimidade aos atos normativos.
[1] OECD. Regulatory Impact Analysis. Best Practices in OECD countries. 1997. p. 22. Disponível em: http://www.oecd.org/regreform/regulatory-policy/35258828.pdf